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sábado, 11 de fevereiro de 2012

muito bom - tenho que compartilhar!

*Jornalista e escritor uruguaio*****

*O que acontece comigo é que não consigo andar pelo mundo pegando coisas e
trocando-as pelo modelo seguinte só por que alguém adicionou uma nova
função ou a diminuiu um pouco…*****

*
Não faz muito, com minha mulher, lavávamos as fraldas dos filhos,
pendurávamos na corda junto com outras roupinhas, passávamos, dobrávamos e
as preparávamos para que voltassem a serem sujadas.*****

*E eles, nossos nenês, apenas cresceram e tiveram seus próprios filhos se
encarregaram de atirar tudo fora, incluindo as fraldas. Se entregaram,
inescrupulosamente, às descartáveis!*****

*
Sim, já sei. À nossa geração sempre foi difícil jogar fora. Nem os
defeituosos conseguíamos descartar! E, assim, andamos pelas ruas, guardando
o muco no lenço de tecido, de bolso.*****

*Nããão! Eu não digo que isto era melhor. O que digo é que, em algum
momento, me distraí, caí do mundo e, agora, não sei por onde se volta.*****

*
O mais provável é que o de agora esteja bem, isto não discuto. O que
acontece é que não consigo trocar os instrumentos musicais uma vez por ano,
o celular a cada três meses ou o monitor do computador por todas as
novidades.*****

*Guardo os copos descartáveis! Lavo as luvas de látex que eram para usar
uma só vez.*****

*
Os talheres de plástico convivem com os de aço inoxidável na gaveta dos
talheres! É que venho de um tempo em que as coisas eram compradas para toda
a vida!*****

*
É mais! Se compravam para a vida dos que vinham depois! A gente herdava
relógios de parede, jogos de copas, vasilhas e até bacias de louça.*****

*E acontece que em nosso, nem tão longo matrimônio, tivemos mais cozinhas
do que as que haviam em todo o bairro em minha infância, e trocamos de
refrigerador três vezes.*****

*
Nos estão incomodando! Eu descobri! Fazem de propósito! Tudo se lasca, se
gasta, se oxida, se quebra ou se consome em pouco tempo para que possamos
trocar.
Nada se arruma. O obsoleto é de fábrica.*****

*Aonde estão os sapateiros fazendo meia-solas dos tênis Nike? Alguém viu
algum colchoeiro encordoando colchões, casa por casa? Quem arruma as facas
elétricas? o afiador ou o eletricista? Haverá teflon para os funileiros ou
assentos de aviões para os talabarteiros?*****

*
Tudo se joga fora, tudo se descarta e, entretanto, produzimos mais e mais e
mais lixo. Outro dia, li que se produziu mais lixo nos últimos 40 anos que
em toda a história da humanidade.*****

*
Quem tem menos de 30 anos não vai acreditar: quando eu era pequeno, pela
minha casa não passava o caminhão que recolhe o lixo! Eu juro! E tenho
menos de ... anos! Todos os descartáveis eram orgânicos e iam parar no
galinheiro, aos patos ou aos coelhos (e não estou falando do século XVII).
Não existia o plástico, nem o nylon. A borracha só víamos nas rodas dos
autos e, as que não estavam rodando, as queimávamos na Festa de São João.
Os poucos descartáveis que não eram comidos pelos animais, serviam de adubo
ou se queimava..*****

*Desse tempo venho eu.  E não que tenha sido melhor.... É que não é fácil
para uma pobre pessoa, que educaram com "guarde e guarde que alguma vez
pode servir para alguma coisa", mudar para o "compre e jogue fora que já
vem um novo modelo".*****

*Troca-se de carro a cada 3 anos, no máximo, por que, caso contrário, és um
pobretão. Ainda que o carro que tenhas esteja em bom estado... E precisamos
viver endividados, eternamente, para pagar o novo!!! Mas... por amor de
Deus!*****

*Minha cabeça não resiste tanto. Agora, meus parentes e os filhos de meus
amigos não só trocam de celular uma vez por semana, como, além disto,
trocam o número, o endereço eletrônico e, até, o endereço real.*****

*
E a mim que me prepararam para viver com o mesmo número, a mesma mulher e o
mesmo nome (e vá que era um nome para trocar). Me educaram para guardar
tudo. Tuuuudo! O que servia e o que não servia. Por que, algum dia, as
coisas poderiam voltar a servir.*****

*
Acreditávamos em tudo. Sim, já sei, tivemos um grande problema: nunca nos
explicaram que coisas poderiam servir e que coisas não. E no afã de guardar
(por que éramos de acreditar), guardávamos até o umbigo de nosso primeiro
filho, o dente do segundo, os cadernos do jardim de infância e não sei como
não guardamos o primeiro cocô.*****

*
Como querem que entenda a essa gente que se descarta de seu celular a
poucos meses de o comprar? Será que quando as coisas são conseguidas tão
facilmente, não se valorizam e se tornam descartáveis com a mesma
facilidade com que foram conseguidas?*****

*Em casa tínhamos um móvel com quatro gavetas. A primeira gaveta era para
as toalhas de mesa e os panos de prato, a segunda para os talheres e a
terceira e a quarta para tudo o que não fosse toalha ou talheres. E
guardávamos...*****

*
Como guardávamos!! Tuuuudo!!! Guardávamos as tampinhas dos refrescos!!
Como, para quê?  Fazíamos limpadores de calçadas, para colocar diante da
porta para tirar o barro. Dobradas e enganchadas numa corda, se tornavam
cortinas para os bares. Ao fim das aulas, lhes tirávamos a cortiça, as
martelávamos e as pregávamos em uma tabuinha para fazer instrumentos para a
festa de fim de ano da escola.*****

*
Tuuudo guardávamos! Enquanto o mundo espremia o cérebro para inventar
acendedores descartáveis ao término de seu tempo, inventávamos a recarga
para acendedores descartáveis. E as Gillette até partidas ao meio se
transformavam em apontadores por todo o tempo escolar. E nossas gavetas
guardavam as chavezinhas das latas de sardinhas ou de corned-beef, na
possibilidade de que alguma lata viesse sem sua chave.*****

*E as pilhas! As pilhas das primeiras Spica passavam do congelador ao
telhado da casa. Por que não sabíamos bem se se devia dar calor ou frio
para que durassem um pouco mais. Não nos resignávamos que terminasse sua
vida útil, não podíamos acreditar que algo vivesse menos que um jasmim. As
coisas não eram descartáveis. Eram guardáveis.*****

*
Os jornais!!! Serviam para tudo: para servir de forro para as botas de
borracha, para por no piso nos dias de chuva e por sobre todas as coisa
para enrolar.*****

*
Às vezes sabíamos alguma notícia lendo o jornal tirado de um pedaço de
carne!!! E guardávamos o papel de alumínio dos chocolates e dos cigarros
para fazer guias de enfeites de natal, e as páginas dos almanaques para
fazer quadros, e os conta-gotas dos remédios para algum medicamento que não
o trouxesse, e os fósforos usados por que podíamos acender uma boca de
fogão (Volcán era a marca de um fogão que funcionava com gás de querosene)
desde outra que estivesse acesa, e as caixas de sapatos se transformavam
nos primeiros álbuns de fotos e os baralhos se reutilizavam, mesmo que
faltasse alguma carta, com a inscrição a mão em um valete de espada que
dizia "esta é um 4 de bastos".*****

*
As gavetas guardavam pedaços esquerdos de prendedores de roupa e o
ganchinho de metal. Ao tempo esperavam somente pedaços direitos que
esperavam a sua outra metade, para voltar outra vez a ser um prendedor
completo.*****

*
Eu sei o que nos acontecia: nos custava muito declarar a morte de nossos
objetos. Assim como hoje as novas gerações decidem matá-los tão-logo
aparentem deixar de ser úteis, aqueles tempos eram de não se declarar nada
morto: nem a Walt Disney!!!*****

*
E quando nos venderam sorvetes em copinhos, cuja tampa se convertia em
base, e nos disseram: Comam o sorvete e depois joguem o copinho fora, nós
dizíamos que sim, mas, imagina que a tirávamos fora!!! As colocávamos a
viver na estante dos copos e das taças. As latas de ervilhas e de pêssegos
se transformavam em vasos e até telefones. As primeiras garrafas de
plástico se transformaram em enfeites de duvidosa beleza. As caixas de ovos
se converteram em depósitos de aquarelas, as tampas de garrafões em
cinzeiros, as primeiras latas de cerveja em porta-lápis e as cortiças
esperaram encontrar-se com uma garrafa.*****

*
E me mordo para não fazer um paralelo entre os valores que se descartam e
os que preservávamos. Ah!!! Não vou fazer!!!*****

*Morro por dizer que hoje não só os eletrodomésticos são descartáveis;
também o matrimônio e até a amizade são descartáveis. Mas não cometerei a
imprudência de comparar objetos com pessoas.*****

*
Me mordo para não falar da identidade que se vai perdendo, da memória
coletiva que se vai descartando, do passado efêmero. Não vou fazer.*****

*Não vou misturar os temas, não vou dizer que ao eterno tornaram caduco e
ao caduco fizeram eterno.*****

*Não vou dizer que aos velhos se declara a morte apenas começam a falhar em
suas funções, que aos cônjuges se trocam por modelos mais novos, que as
pessoas a que lhes falta alguma função se discrimina o que se valoriza aos
mais bonitos, com brilhos, com brilhantina no cabelo e glamour.*****

*
Esta só é uma crônica que fala de fraldas e de celulares. Do contrário, se
misturariam as coisas, teria que pensar seriamente em entregar à bruxa,
como parte do pagamento de uma senhora com menos quilômetros e alguma
função nova. Mas, como sou lento para transitar este mundo da reposição e
corro o risco de que a bruxa me ganhe a mão e seja eu o entregue...*****

*Eduardo Galeano*****

** Jornalista e escritor uruguaio*****

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